terça-feira, 30 de abril de 2013

ISTO É UM HOMEM?




A mais de seis décadas, após o nazismo ter suscitado a pior das atrocidades humanas, o livro "Isto é um Homem?" contempla de forma profunda e bastante realista, sem redundantes narrativas, o sofrimento de um prisioneiro nos campos de concentração. Sem dúvida nunca seremos capazes de compreender a dor e desespero da forma que os judeus compreenderam. Se a guerra exteriorizou uma classe de psicopatas, racistas e extremados sob uma filosofia fundamentalista e utópica da ditadura de Hitler  também ela o fez homens com uma capacidade indescritível para superação. No livro o autor descreve o cotidiano dos prisioneiro no campo de trabalho na Polônia onde ele viveu mais de um ano, relatando hierarquicamente os fatos marcantes de acordo com a sua visão.
Primo Levi, autor narrador do seu livro, com 25 anos é deportado para o campo de concentração de Auschwist, na Polônia. Um jovem inteligente  que tentou resistir junto a alguns seguidores do grupo anti-nazistas, sendo capturado pela milícia no ano de 1943. Desde então sua vida mergulhou no mais profundo abismo do sofrimento. Uma experiência brutalmente sobrenatural do ponto de vista de quem perdeu tudo: família, prestígio, dignidade, nome e cabelo. Uma experiência de perda da própria humanidade quando se perde a autonomia da vida. E foi lá, naquele cenário inóspito e hostil que Levi, junto a outros amigos tive que aprender a lei do absurdo, da vulnerabilidade da vida e do caos, da esperteza e sobre tudo da sobrevivência. Aprender a interpretar as pancadas e a falar com a linguagem silenciosa do invisível. O homem muda, como mudam todas as coisas que estão ao nosso redor. A existência de nossos valores depende unicamente da circunstância a qual estamos envolvidos. Num mundo de miséria física, material e espiritual os conceitos de valores são substituídos por coisas antes nunca imaginadas. O pão se transforma em ouro, o homem em coisa, o rico em pobre, o justo em ladrão, o corpo em cinza. Num mundo de famintos e flagelados onde a lei de sobrevivência lhe aguça a passar por cima de seus próprios princípios para permanecer vivendo.
"Isto é um homem?" não é apenas um livro que narra desgraças e dores. Ele nos faz refletir e ater para as coisas mais simples da vida. Nos ajuíza para a teoria da relatividade. Tudo é relativo, principalmente o conceito do que é mau e bom. Ninguém jamais poderá julgar com precisão, porque o perfeito julgamento parte de uma experiência existencial. Viver para sentir. É com essa ótica que deveríamos pensar nossos conceitos.  Num lugar feito basicamente de restrições, onde seu único objetivo era restringir a liberdade do fazer e desse modo fazer o homem desacreditar de sua própria natureza e essência,a pergunta que nos vem a mente é: É isto são realmente homens? É o homem uma coisa ante os olhos de outro homem? E após concluir o livro o que fica marcado é exatamente a resposta para essa pergunta que o intitula. É isto! Isto é ser homem! É homem quem mata, é o homem quem comete e suporta injustiças, é homem que, perdida já toda reserva de fé de alimento, compartilha a cama com um cadáver. Quem espera que o seu vizinho acabasse de morrer para tirar-lhe o pão (sem culpa). De fato a apologia que Levi faz em seu livro encontra maior sentido quando deparamos as nossas realidades a realidade de quem viveu e sobreviveu aos campos de concentração nazistas: a de que “a ação humana só pode ser julgada individualmente, caso a caso”. O que ele quer dizer com isso é que não nos cabe julgar aqueles que praticam atitudes reprováveis dentro da nossa concepção de normalidade. O que parece justo e coerente em determinado contexto pode não ter valor moral algum em outras circunstâncias. Muitos morreram lá, por não compreender a teoria da relatividade. Porque foram honestos demais e se sucumbiram no esgotamento de suas capacidades físicas e mentais.
Os personagens deste livro são homens, como eu e você. Suas humanidades ficaram bem evidenciadas sob o que foi padecido, sob o que foi apreendido desse grande mal provocado por um homem mau, bruto, criminoso e político. Todos somos homens, grandes e pequenos nessa hierarquia insensata determinada pela vida. Homens de humanidade contaminada, pertencente a esse mundo de negação, desgraça e paradoxos. Graças a Levi, não esquecerei jamais disso: que também sou um homem como qualquer outro. Sujeito a erros e acertos, a justiças e injustiças, disposto a amar e a odiar, a querer e rejeitar. Entregue a sorte da vida e dos homens, do amor e do ódio, da alegria e da tristeza, da pena e do gozo.

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